Sem leitos de unidade de tratamento intensivo, pais são obrigados a recorrer
à Justiça para conseguir um leito. Mesmo com ordem judicial, vaga, às vezes,
chega tarde demais
Bruna perdeu o filho de 4 meses após o bebê passar dias internado à
espera de UTI
Guga Matos/JC Imagem
Ciara Carvalho
ciaracalves@gmail.com
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Domingo à noite, dia 19 de junho de
2016.
O médico entrega um papel nas mãos de
Viviane. Era para ser levado com urgência ao Ministério Público. No documento,
o laudo atesta o desespero: Iuri, 2 meses, filho de Viviane, precisava de uma
UTI para tentar escapar da morte. Estava esperando a vaga há intermináveis nove
dias. Amanheceu a segunda-feira, a família correu para conseguir a liminar na
Justiça. A decisão, obrigando o Estado a garantir um leito, veio no dia
seguinte. Era tarde demais. Gabriel havia morrido, às 23h, na enfermaria do
Hospital das Clínicas. Quando ligaram para avisar da ordem judicial, o menino
estava prestes a ser enterrado. Completaria naquela terça-feira três meses de
vida.
Final de tarde de quarta-feira, 13 de
abril de 2016
Bruna implora aos médicos do Hospital
Helena Moura que transfiram seu filho, Gabriel, 4 meses, para um local que
tenha uma UTI. Tem seis dias que o menino está internado e o quadro de saúde só
piora. Finalmente colocam o nome do garoto na lista de espera por uma vaga de
unidade intensiva. Bruna chora o tempo todo. Era tarde da noite da quarta-feira
quando Gabriel foi transferido para o Hospital Barão de Lucena. A mãe aliviou o
coração: ‘vão botar meu filho numa UTI’. Mas não havia vaga de UTI no hospital.
Ele teve que ficar na emergência pediátrica. Na manhã seguinte, às 9h30, menos
de 24 horas após dar entrada no Barão de Lucena, Gabriel veio a óbito.
Lembrar de cada detalhe, dos dias
internados, das últimas horas, faz Viviane e Bruna explodirem num choro
incontido. “Eu via ele ali, morrendo na minha frente, de pouquinho em
pouquinho. Eu dizia para os médicos: ele vai morrer, ele vai morrer. Arrume
uma UTI para o meu filho’. Mas eles só repetiam: estamos tentando, mas não tem
vaga, não tem vaga”, desaba Bruna Maria Alves. A jovem de 28 anos, que mais
parece uma adolescente, nem tinha noção que poderia recorrer à Justiça para
ajudar seu bebê. Desempregada há mais de dois anos, ela mora com o outro filho,
de 8 anos, e a mãe em um quarto fincado nas escadarias de Nova Descoberta, na
Zona Norte do Recife. Os três dormem numa única cama de casal, um dos raros
móveis do vão com poucos metros quadrados e paredes e piso rachados.
A falta de conhecimento fez Viviane
Augusto de Barros esperar demais. Sete dias antes de seu filho, Iuri, falecer,
ela deu entrada no Hospital das Clínicas já com o diagnóstico de quadro
gravíssimo e indicação para UTI. Como não havia vaga, os médicos improvisaram.
Colocaram a criança no balão de oxigênio na emergência. Fizeram o possível. Mas
não o necessário. “Eu me arrependo de não ter ido atrás dessa liminar antes.
Por a gente não ter informação, perdemos muito tempo. Talvez, se essa decisão
tivesse saído antes, eu agora poderia estar com meu filho vivo e se
recuperando”, diz a jovem, de 21 anos. É a ideia do que poderia ter sido, e não
foi, que esmaga o coração da tia do bebê, a dona de casa Goreti da Silva, 49
anos. “Por que mandaram nosso menino para um hospital que não tinha UTI? Não
falo só por Iuri, mas por todas as crianças que estão lá e que também vão
sofrer sem a assistência adequada.”
Apesar do grave quadro de saúde, Iuri
e Gabriel foram condenados por uma enfermidade estrutural, uma doença crônica
que atinge a saúde pública de Pernambuco: a falta de leitos de UTI. No caso
específico das duas crianças, de UTI pediátrica. São 977 vagas de unidade
intensiva para todo o Estado. Dessas, apenas 114 são exclusivas para pediatria.
A situação é ainda mais crítica no interior, onde hospitais regionais como os
de Arcoverde, Serra Talhada, Salgueiro e Ouricuri não disponibilizam um único
leito destinado à faixa de crianças com 29 dias de nascida até os 14 anos.
Mesmo com uma oferta de vagas de UTI
adulta maior do que a pediátrica no interior, a quantidade ainda é insuficiente
para dar conta da enorme demanda. A diarista Alzira Ferreira de Lima, 37 anos,
teve que ver o filho Mateus, 15 anos, ser transferido para o Hospital da
Restauração após sofrer um acidente de motocicleta em Caruaru, onde mora, no
Agreste do Estado.O garoto caiu da moto no dia 8 de maio deste ano. Passou 17
dias na sala vermelha do HR, onde ficam os pacientes com risco iminente de
morte e à espera de uma vaga de UTI. Quando o quadro de Mateus se agravou ainda
mais, recebeu o mesmo papel das mãos do médico, solicitando ao Ministério
Público o pedido judicial de um leito de unidade intensiva. Novamente, a ajuda
chegou tarde. Duas horas após Mateus entrar na UTI, Alzira ouviu do médico que
o filho não havia resistido. “Eu desabei. Se ele tivesse ido antes para a UTI,
meu filho não teria morrido.”
Um sofrimento sem hora para acabar. Uma consulta à lista de espera da Central de Regulação de
Leitos do Estado sentencia a população a um desespero diário. Na
última sexta-feira, enquanto essa reportagem era escrita, 141 pessoas
aguardavam uma vaga numa unidade de tratamento intensivo nos hospitais de
Pernambuco. Entre elas, 25 para UTI pediátrica. Mães, iguais a Bruna, Viviane e
Alzira, aflitas, coração na mão, submetidas ao mesmo diálogo absurdo que pode
definir a delicada linha entre vida e morte:
- Conseguiram uma vaga de UTI para o
meu filho?
- Não.
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